Era primavera em 2004 quando um senhor, grisalho, de pouca estatura, fala suave e muito simpático, entrou pela porta da casinha, a antiga Arca de Noé.
Trazia em seu colo um filhotinho de lhasa, com apenas dois meses, para nos perguntar como fazia para cuidar de tão frágil criatura.
Era o Gold Black, que hoje, paradoxalmente, não é da cor Gold, nem da cor Black, mas quando filhote era todinho preto e, logo na primeira troca de pelos se transformou num prateado levemente amarelado.
O Gold foi um presente para sua netinha, mas nunca chegou a entrar na casa dela, pois sua mãe tinha
medo do pobre filhotinho.
Logo um cão tão doce… Como o Gold daria medo em alguém?

Como todo lhasa, por causa do pelo comprido, não dava muito bem pra distinguir onde era a cabeça ou onde era o bumbum! Parecia o Floquinho do Cebolinha. Às vezes, ficávamos só esperando ele andar para saber qual era a parte da frente dele…
Todas as semanas, tanto faz se chovia ou fizesse frio, lá vinha o seu Admar, caminhando bem lento naquela subida da clínica, ao lado do Gold, segurando bem firme a sua coleira, expressão da sua preocupação com os carros da Mário Tourinho.
Eram muito apegados um ao outro, o que não é comum para uma pessoa da idade dele, que foi criado numa época onde os cães nada mais eram que animais de guarda e ficavam fora de casa, sem direito a cuidados médicos e sem nenhum vínculo afetivo com o resto da família.
Às vezes, ele aparecia com um cinto ou um bastão numa mão.
Não era para educar o Gold. Ele trazia o cinto para espantar cachorrões que poderiam vir na direção do seu grande amiguinho!
Sr. Admar ficava lá sentadinho, aguardando, lendo revistas na recepção e distribuindo sua simpatia com os outros clientes.
Ver aquele sorridente senhor, agarrado naquele cachorrinho todo fofo, fazia a gente pensar: qual dos dois era mais importante para o outro?
Ele e o Gold envelheceram juntos, saiam todos os dias para passear, trocaram energia e alegria e dessa forma um ajudou ao outro. Sempre companheiros inseparáveis.
Ninguém imaginava que aquele senhor tão dedicado ao seu melhor amiguinho estivesse doente, tal a vitalidade e boa conversa que exibia enquanto esperava o cachorrinho tomar seu banhinho toda quarta-feira.
Uma vez faltou ao banho semanal.

Sabendo que isso iria causar estranheza, mesmo internado e em uma cama de hospital, fez questão de pedir para um familiar ligar pra gente avisando que falharia naquela semana.
Seu Admar perdeu a luta para o câncer aos 88 anos.
Ele nos deixou, mas deixou também uma enorme surpresa para seus filhos: ao remexerem em seu guarda-roupa, encontraram um cabide com uma coleção com mais de 500 gravatinhas que juntou toda semana ao levar o Gold pra tomar banho lá na Arca.
Tinha também um calhamaço de papéis, resultado de 10 anos de carteirinhas de vacina, montões de receitas, avisos recebidos pelo correio, cartões de Natal e tudo mais que a Arca de Noé mandava pro Gold.
Seu Ildemar, filho de Seu Admar, continua vindo toda quarta trazer o Gold, chova ou faça sol!
-Adeus, Sr. Admar! Vamos continuar cuidando do GOLD pra você! Por tudo que foi, o Senhor merece a nossa medalha de OURO… Foi um exemplo que não esqueceremos de luta e fortaleza!





Ohhh Gold Black, lembro-me de quando vinha tomar banho e encontrava com a Meg na loja da clínica, ficavam se encarando, com medo de chegarem perto um do outro!!! Saudades!